Quando Pedro Flores foi diagnosticado com tuberculose, em 2017, a possibilidade de não sobreviver à doença não o assustou. O que mais perturbava o guia de viagens, de 47 anos, não era a ideia da morte, mas o receio de partir sem ter realizado o sonho de dar a volta ao mundo. Acalentava o desejo desde sempre, mas imaginava que apenas o concretizaria na reforma. Ao saber que a sua vida poderia estar em risco, concluiu que não podia esperar mais.
Natural do Porto, Pedro começou a explorar o mundo ainda na casa dos 20 anos, enquanto trabalhava na área da gestão de retalho em empresas reconhecidas internacionalmente. Após uma mudança de rumo profissional que o levou ao seu “trabalho de sonho” recebeu o diagnóstico médico que mudaria tudo.
“Inicialmente, sentia-me mal e apresentava diversos sintomas, mas, como tinha acabado de ingressar na nova empresa, hesitei em pedir baixa. Então aguentei, pensando que estava só a ser fraco e a exagerar”, recorda, em entrevista à NiO. Apesar do crescente desconforto e cansaço, os médicos asseguravam-lhe que era apenas uma gripe.
Após três meses de sintomas, decidiu consultar a médica de família, que rapidamente percebeu que se tratava de uma situação grave. “Tive tuberculose. Não sei onde a contraí, pois andava constantemente a viajar entre o Médio Oriente e África. Hoje em dia, não é tão aterrador como era antigamente, mas passei cinco meses em isolamento, a dormir no chão da sala dos meus pais para evitar transmitir o bacilo de Koch”, relembra. O processo de recuperação durou nove meses e, com isso, Pedro sentiu a urgência de realizar o sonho que sempre teve.
“Quando enfrentei aquele problema de saúde, decidi mudar de vida e dedicar-me ao que realmente adoro fazer. Embora tenha regressado ao setor corporativo, em 2020 pedi um ano sabático para viajar pelo mundo”, explica.
As tentativas de concretizar a volta ao mundo
O plano estava delineado: viajar com a mulher Angelina, de mochila às costas, com partida marcada para 29 de março de 2020. No entanto, a pandemia atrapalhou os planos, sendo esta apenas a primeira de várias tentativas. Como alternativa, decidiram comprar uma autocaravana e viajar pela Europa durante quatro meses. “Quando o ano sabático chegou ao fim, percebi que era isto que queria fazer. Já não regressei ao mundo corporativo”, revela.
O desejo de dar a volta ao mundo manteve-se vivo, e o casal tentou novamente em 2022, quando a normalidade começava a ser retomada. Não contavam, porém, com a eclosão da guerra na Ucrânia. “A minha mulher tinha família nos dois países e fomos obrigados a cancelar a viagem pela segunda vez. Demos apoio financeiro e cedemos o nosso apartamento a uma colega ucraniana que se refugiou em Portugal”, conta.
Apesar das várias mudanças de planos, não desistiram. Na passagem de ano de 2022 para 2023, e com a situação mais tranquila, decidiram arriscar novamente. Porém, três dias depois, o pai de Pedro sofreu um AVC. “Diante de tanto azar, muitas pessoas começaram a sugerir que seria melhor não viajarmos durante um ano. No fim, optámos por dar a volta ao mundo em apenas 99 dias”, afirma.
A 15 de janeiro de 2024, finalmente partiram para a aventura que tanto almejavam. Até 21 de abril, exploraram países como Omã, Maldivas, Sri Lanka e Filipinas. Nessa altura, Pedro já era guia de viagens da agência Fotoadrenalina, mas sentia que ainda faltava algo na sua vida.
Durante uma das viagens que supervisionou na Namíbia e Botsuana, duas viajantes expressaram o desejo de escalar o Kilimanjaro, despertando nele um sonho antigo.
O projeto Kili
Estava a viver em Oxford, em 2008, quando comentou com um amigo português que adorava “testar os limites” e fazer algo que o colocasse à prova. Disse que gostava de subir ao ponto mais alto de África, com uma altura de 5.985 metros.
“Entusiasmou-se com a ideia e estava todo motivado. Comecei a preparar tudo e quando chegou a altura de comprar os voos, disse-me que estava apenas a brincar. Na altura, fumava e não tinha uma alimentação saudável, portanto, achava que não conseguiria subir o Kilimanjaro nessas condições”, recorda. Embora tivesse abandonado o plano, a vontade ficou sempre latente.
Agora, com mais liberdade para viajar e um estilo de vida diferente, Pedro sentiu que era o momento certo para concretizar uma ambição que nutria há mais de 15 anos. Há cerca de um ano, começou a planear o projeto, desejando que fosse também solidário.
Há cerca de um ano começou a planear o projeto, mas queria fazer algo que fosse solidário ao mesmo tempo. “Muitas pessoas da minha família passaram pelo IPO do Porto. Para muitos, foi a sua última morada. Decidi que podia aproveitar a expedição para realizar uma aventura de cariz humanitário”, confessa.
Durante a escalada ao cume de África, Pedro pretende angariar donativos para o centro de investigação clínica do IPO do Porto, como forma de agradecer tudo o que hospital fez por si e pelos seus. O projeto Kili tem como meta angariar 5.895€ (um euro por cada metro do Kilimanjaro), verba que será entregue integralmente ao IPO. Os custos da expedição, cerca de 3.500€, serão suportados por Pedro ou por patrocinadores.
As viagens que realiza ao longo do ano dificultam os treinos intensivos, mas a partir de 8 de setembro, quando regressar da Croácia, planeia iniciar uma preparação rigorosa com o personal trainer Tiago Timóteo, especialista em perda de peso e desempenho desportivo. Um dos mentores do projeto é Pedro Queirós, o sexto português a escalar o Evereste.
“A preparação física é crucial, mas é também relativa. O fator-chave é a maneira como o corpo responde à altitude. O que me preocupa é a altura, o frio e o desconforto de não poder tomar banho durante oito dias”, admite.
A subida ao Kilimanjaro está agendada para 11 de outubro e, se tudo correr bem, Pedro assistirá ao nascer do sol no ponto mais alto da montanha no dia 17. Com a descida, a expedição terá a duração de oito dias. Existem sete rotas principais para alcançar o cume, cada uma com as suas características, mas o guia seguirá a rota Lemosh, que cobre cerca de 70 quilómetros e é classificada como de dificuldade média. Anualmente, cerca de 50 mil pessoas tentam alcançar o pico, com uma taxa de sucesso de apenas 65 por cento.
Quanto aos donativos, já começaram a ser recolhidos. Os interessados em apoiar esta podem contribuir para o IBAN PT50 0023 0000 45739632589 94, ou através de MB Way, para o número de telemóvel +351 966423234. A expedição poderá acompanhada nas redes sociais.
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