Quando Gonçalo Nascimento imigrou para os Estados Unidos da América, a adaptação foi “relativamente fácil”. Havia apenas uma coisa que o fazia sentir muitas saudades de casa: o pão. O padeiro deixou Mafra para ir atrás de Raquel Nascimento, a jovem adolescente por quem se tinha apaixonado numas férias de verão.
Os pais de Raquel já viviam em Nova Iorque há muitos anos, quando a jovem de Torres Vedras e os irmãos foram ter com eles. “Enquanto os meus pais tratavam dos documentos e burocracias, nós ficamos com os meus avós em Portugal. Depois, em 1995, voámos todos para lá. Mas as férias de verão eram passadas cá, na terra”, conta a empresária de 43 anos à NiO.
Numa dessas viagens conheceu Gonçalo e apaixonaram-se. Mas como qualquer paixoneta de verão, o sonho chegaria ao fim quando Raquel voltasse aos EUA. Não foi o que aconteceu. Continuaram com a relação e no ano seguinte a jovem decide voltar para Portugal.
A ideia era viverem cá, mas “foi sol de pouca dura”. Raquel apercebeu-se que a mudança não compensava a nível financeiro financeiro. “O que ganhava num mês em Portugal, era o mesmo que recebia numa semana em Nova Iorque” a trabalhar nas limpezas. Tomou a decisão de regressar e Gonçalo decidiu segui-la.
Ela voltou ao trabalho com a mãe nas limpezas e ele foi ajudar o sogro numa empresa de ladrilhos. Gonçalo deixou os turnos noturnos como padeiro para trabalhar durante o dia numa profissão desconhecida e, contra todas as expectativas, adorou.
Porém, havia algo que lhe faltava: o pão de Mafra e o pão com chouriço. “Falava sobre isto todos os dias, queixava-se do pão aqui não ser igual. E dizia-me que um dia ainda ia abrir uma pastelaria numa determinada equina na zona onde vivíamos”, conta Raquel.
O local a que o padeiro se referia era, na altura, um mini mercado que vendia fruta e charcutaria há mais de 40 anos. Com o argumento de ser uma casa já antiga, a portuguesa descartava a ideia do marido, mas 12 anos após a chegada, o mercado fechou e Gonçalo não perdeu tempo. Com a ajuda da sogra tratou das burocracias e documentos e num par de meses abria o Pão da Terra.
Raquel nunca tinha servido um café na vida e estava reticente em abandonar uma rotina na qual trabalhava apenas de segunda a sexta, sem muitas preocupações. Eventualmente, acabou por alinhar e, ao fim de 13 anos, até “põe a mão na massa quando é preciso”.
A Pão da Terra, um nome escolhido com a ajuda de um tio de Gonçalo, fez todo o sentido para os portugueses locais. “Este sonho nasceu pelas saudades da nossa terra e do pão que lá fazemos. Para aqui queríamos trazer tudo o que há numa pastelaria típica portuguesa”, explica o padeiro, que coordena todo o fabrico.
No espaço aberto desde 2011 há café português, servido numa bica, galão ou meia de leite. E para acompanhar há pão de Mafra, pão com chouriço, bolinhas, papo seco, pastel de nata, guardanapos, bolas de Berlim, bolo de arroz e queques — tudo com fabrico próprio.
“Os americanos adoram o pão português, muitos passam cá para levar umas bolinhas e aproveitam e ainda levam bolos. Acham os preços acessíveis e os doces maravilhosos e diferentes do que compram nas pastelarias daqui”, explica Raquel.
Porém, a grande percentagem de clientes são da comunidade de Ironbound, em Newark, onde vivem. “Há muitos portugueses e imigrantes da América Latina que vêm cá com a mesma frequência que fazemos em Portugal neste género de espaços”, adiantam. Aliás, é também para responder à necessidade do público alvo que à lista de salgados — como rissóis, empadas e bolinhos de bacalhau— acrescentaram as coxinhas “tão adoradas pelos brasileiros”.
Na Pão da Terra tentam sempre responder aos pedidos dos clientes. Por exemplo, há uma hospedeira da TAP que sempre que voa para Nova Iorque faz questão de passar pela pastelaria dos Nascimentos para comprar um bolo específico: o guardanapo. Raquel já a questionou o porquê daquela procura, ao que a comissária lhe respondeu que “é o único local onde pára para comer um doce do género”.
“Adora o nosso creme, que é feito de forma tradicional, com doce de ovos. Por isso não consegue visitar Nova Iorque e regressar a Portugal sem comer um. Da última vez fizemos uma fornada de propósito para ela”, refere.
Também Iva Domingues, Fernando Rocha, José Figueiras, Marco Horácio, Manuel Luis Goucha e o chef Avillez não passam pela cidade sem visitar a Pão da Terra. “Há um espírito de comunidade gigante aqui e muitos acabam mesmo por ser família. Aproveitam e matam saudades do café e do pão português enquanto cá estão”, dizem.
A estes junta-se ainda a presença assídua de Mauro Castano, conhecido pelo programa “Cake Boss”. “É aqui que vem provar e comprar pastéis de nata”, referem.
A fama da Pão da Terra já lhe valeu uma distinção que deixa os portugueses orgulhosos. Na festa Conversão de Portugal, que se celebra a 10 de junho, a pastelaria foi distinguida como “negócio do ano”, uma categoria que surgiu em 2023, quando ganharam o prémio.
Ao longo dos anos receberam também propostas para expandir o negócio para outras zonas da cidade, mas o casal recusou. “Os americanos gostam dos nos produtos, mas não comem todos os dias. Além disso, já conseguimos expandir a nossa loja, em 2019, para o dobro do espaço”, justificam.
Atualmente têm 75 lugares na pastelaria e o expresso é vendido a 2 dólares, cerca de 1,80 euros, o pastel de nata custa 1,85 (1,67€) e o pão 80 cêntimos, que é equivalente a 0,70 cêntimos. Os preços deixam os clientes norte-americanos sempre surpreendidos — “perguntam-me sempre se me enganei”. Mas os preços, assim como os horários, estão adequados à comunidade onde vivem. “Abrimos às cinco da manhã e encerramos às 20 horas. Assim conseguimos servir os trabalhadores que começam cedo e os últimos a regressar a casa.”
No Natal há sempre filhoses, rabanadas e sonhos feitos por Rosa Ferreira, mãe de Raquel “e a grande cúmplice de Gonçalo” para abrir o negócio.
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